quarta-feira, 17 de novembro de 2010

Às irmãs Rodrigues, com amor, muito obrigada


"Penha,
Já que só faltam 3 dias pra você ir embora, eu queria dizer que você já se tornou parte da nossa família e se quisesse ficar, nós deixaríamos com prazer, mas você vai prestar biologia, seu grande sonho, então eu lhe desejo boa sorte e que você se torne uma ótima bióloga. Eu sei que vamos continuar nos vendo, mas nem tanto quanto agora. Ninguém nunca vai te substituir, você é muito legal.
Com amor,
Lucas
17/11/2010''

Esta carta singela, mas pungente, foi escrita na noite de hoje, na solidão do seu quarto, pelo Lucas, do alto de seus 10 anos. Quem conhece o meu Coquinho sabe que é uma criança tão amorosa quanto reservada, tão feliz quanto lacônica, às vezes.

Perpetrar um texto expondo tanto de seus sentimentos deve ter sido penoso, sofrido para ele.
Penha, para quem não conhece, é a pessoa que cuida do Lucas desde que ele tinha 2 anos, e do Felps desde que ele nasceu. É uma das três irmãs Rodrigues, três anjos que apareceram na nossa família ainda em 2000 e que, ele tem razão, jamais serão substituídas.

A primeira a chegar foi a Neide, ainda quando esse menino genial e generoso tinha menos de 1 mês. Era uma menina magrinha, tímida, séria, de 20 anos. Me disse que tinha chegado havia pouco tempo de Serra Talhada, em Pernambuco. Já tinha cuidado de crianças, trabalhado em casa de família. Apesar de ter trabalhado desde muito nova, tinha terminado o segundo grau e falava um português perfeito. Foi a primeira candidata a babá que eu entrevistei. E ficou.
A "Nena", como o Lucas passou a chamá-la quando começou a balbuciar, foi um achado: inteligente, brincalhona, carinhosa, de extrema confiança, logo vi que tinha um futuro grande pela frente.

Logo também conheci sua família querida. A Penha foi a segunda a chegar. Era uma menina. Nessa condição, veio cobrir as férias da irmã, pouco menos de 2 anos depois. Era a Copa de 2002. Ela e o Lucas se mandaram para ver a Seleção pentacampeã desfilar no Eixão. Era apenas a primeira de muitas aventuras que viveriam juntos.
Penha ficou de vez, quando a Nena voltou. As duas em casa eram nossa garantia, nosso porto seguro. Inteligentes, ambas ingresssaram em faculdades. Neide se formou em secretariado. E a Penha, já disse o Lucas, hoje é bióloga.
Com a ''pioneira'' das irmãs Rodrigues formada, indo seguir seu caminho, chegou à casa da família Cabral a terceira dessas grandes mulheres. A Dinha entrou em casa em 2006, e ela e a Penha tocaram o barco juntas até este ano. A terceira irmã Rodrigues é uma fortaleza, uma rocha que dá um duro danado para criar a Milena, uma menina encantadora, da nova geração dessa família maravilhosa.
Nem a mudança para SP teve o condão de nos separar de cara. Insistimos, persistimos, na certeza de que seria difícil para os dois lados conseguir uma comunhão tão perfeita. Dinha veio primeiro, Penha veio depois, há nove meses.
Mas a vida tem de seguir o seu curso, e aquela menina que conheci com menos de 20 anos, que em casa vivei grandes alegrias, outras tantas barras, vai prestar um Mestrado em Biologia na UnB e conseguiu, por seus méritos, uma bolsa-trabalho na Embrapa.

Não cabe a mim ter nenhum tipo de sentimento senão a nobreza desse menino de 10 anos: desprendimento, torcida para que tudo de melhor aconteça, e a certeza de que não haverá substituição possível para o papel que essas três guerreiras desempenharam na nossa vida.

Você confiar seus filhos a alguém é algo que enche de pavor e insegurança. Quando se está longe da família, trabalhando feito loucos, é quase uma roleta-russa. Tirando um ou outro desentendimento comum numa relação tão próxima e tão longa, tenho de dizer que tirei a sorte grande.

Neide, Penha e Dinha não ajudaram só a cortar a unha, a limpar a orelha, a fazer o dever, a trocar fraldas, a dar comida, a colocar na cama o Lucas e o Felipe. Agora vejo com clareza que elas ajudaram a mim e ao Cabral a forjar nesse menino grande, surpreendente, um caráter sólido, uma nobreza de sentimentos da qual me orgulho e à qual me curvo, emocionada até a medula.

Sei que esse menino, capaz de devotar palavras tão doces e amorosas a quem dedicou a ele tanto carinho, nunca será capaz de um gesto de preconceito, de violência, de arrogância, de intolerância sexual, racial ou social. Nunca tratará quem quer que seja como seu empregado, mas sempre como seu igual. Nunca relegará os amores à condição de coisas desimportantes, nunca abandonará as amizades sinceras.

Felps, meu ''bebê'', esse garotinho encantador, engraçado, feliz, talvez olhe para as fotos daqui a uns anos e não se lembre da Penha nem da "Naná", como ele chama a Dinha. Se isso acontecer, vou me sentir em dívida com ele. Se já não terá a infância cercada de segurança de Brasília, também não terá o porto seguro das irmãs Rodrigues por tanto tempo quanto o irmão.

Por outro lado, como bem lembrou o Cabral, crescerá desde mais novo perto da família _dos avós, dos tios, dos primos_, e isso com certeza dará a ele outras referências, tão sólidas quanto as do Lucas. Ele já é um menino tão especial quanto o irmão, em sua meiguice dengosa, em seus enroscos pedindo ''colinho'', ''leitinho'' e ''carinho''.

Agora meus dois tesouros terão de se acostumar a outra pessoa. A nós só cabe zelar para que seja alguém capaz de cuidar muito bem deles. Mas certas coisas acontecem só uma vez na vida. Não haverá outras irmãs Rodrigues.

Obrigada, meninas, por ajudarem a criar esses meninos lindos. Obrigada por ajudarem a enraizar no Lucas esse caráter que me enche de honra por ser mãe dele. E obrigada por mimar meu bebezinho ainda tão novinho em tempos em que eu mesma às vezes estava trabalhando demais para poder fazê-lo.

Sei que a gente fez o que pôde para ajudar nesse crescimento de vocês, mas não foi nada além do que vocês mereceram. Sejam felizes, vocês vão muito longe com certeza.

E Penha, essa é especial para você: obrigada por ser a melhor amiga do meu Luquinhas. Nunca nada vai pagar isso.

Com amor,
Vera, Cabral, Lucas e Felps