quarta-feira, 21 de abril de 2010

Brasília me deu régua e compasso


Várias são as abordagens _jornalísticas, sociológicas, arquitetônicas, históricas_ possíveis para se falar dos 50 anos de Brasília. Várias também são as mazelas que cercam a já não tão nova capital federal em seu cinquentenário. Longe de mim relevar todos esses aspectos ou deixar de reconhecer os problemas, graves e aparentemente insolúveis.

Mas o que vem me ocupando a cabeça e o coração desde ontem, quando comecei a pensar na efeméride, não diz respeito a nenhuma dessas dimensões mais gerais. A nostalgia que me envolve tem a ver com todos os aspectos da cidade propriamente dita, a Brasília em que pessoas comuns moram, se divertem, criam seus filhos, se envolvem em brigas de trânsito, vão à padaria etc. Uma cidade que incrivelmente escapa a todas as análises sociológicas, históricas e antropológicas, como se não existisse.

Cheguei a Brasília pela primeira vez em 24 de outubro de 1999, de mudança, sem o Cabral, que não tinha sido transferido, escoltada pela minha mãe e chorando pra caramba. A paisagem que primeiro se vê da cidade não revela os monumentos de Niemeyer, mas sim uma sequência de quadras residenciais, do fim da Asa Sul, que para mim lembrou um campus universitário.

Só depois de um longo trajeto você começa a reconhecer os prédios-símbolo da cidade: primeiro o Banco Central, com seu aspecto "cubo mágico", depois a Esplanada, com o Congresso e a Praça dos Três Poderes ao fundo, a bandeira tremulando eternamente.

É difícil "pegar a manha" do trânsito brasiliense. Comprei um carro logo que cheguei e não foram poucas as vezes em que me perdi no autorama, como a gente chama a sucessão de eixos, tesourinhas, alças de acesso e vias com nomes em siglas.

Mas o fato é que logo Brasília começou a me revelar o seu melhor. Fui acolhida por um grupo de jornalistas fantástico, todos eles exilados voluntários como eu. O "Pavilhão 9", casa que reunia muitos desses amigos, era um ponto de encontro desse pessoal que me recebeu tão bem que me fez sentir menos saudades dos amigos da vida toda que tinham ficado em São Paulo.

Ao longo dos anos, esse grupo de jornalistas amigos foi se transformando. Uns foram embora, outros chegaram, num movimento típico da cidade. A Brasília dos jornalistas é uma terra de estrangeiros, em que a sua naturalidade (no sentido de ser natural de, atenção) é assunto de boteco, em que sotaques viram piada em churrascos nas lajes e em que o fato de todo mundo ser de fora faz com que se crie um círculo de solidariedade, amizades e lealdade que _me desculpem de novo os céticos de Brasília_ não existe fora dali. O Pavilhão 9 deu lugar à Febem, que foi substituída por Melrose, mas a cada temporada, de 1999 a 2009, não foram poucas as histórias, os dramas e as descobertas de uma cidade em que os amigos são também a sua família.

Os mesões, as baladas, as lajes, os jogos de Master, tudo isso forjou em mim a certeza de que os amigos de Brasília serão amigos para sempre, por mais que o tempo passe e as pessoas se dispersem nessa diáspora candanga. Não vai dar pra citar todo mundo que passou e fincou estacas na minha vida ao longo desses 10 anos, mas dá para dizer que a maioria dos meus melhores amigos hoje eu conheci ou reencontrei em Brasília, e isso não é pouco nem é trivial.

Lucas

Menos de um mês depois da chegada a Brasília, a surpresa: eu estava grávida numa cidade estranha, longe da minha família e tendo acabado de assumir um cargo de chefia. Mas nem o susto afastou a alegria imensa com a notícia. O Cabral, que até então não tinha data para ser transferido, acabou indo para Brasília numa vaga de economia, área estranha para ele, e nos mudamos para o nosso lindo apartamento na 211 Sul, onde o Lucas chegou em 26 de julho de 2000.

Meu filho candango, leonino, moreninho, gorducho e bochechudo foi o primeiro presente que Brasília me deu. Toda a história que começou a ser escrita a partir da chegada do Lucas, o verdadeiro marco zero da nossa vida brasiliense (o período anterior foi um grande ensaio geral) é uma história de amor, de uma vida tranquila, cercada de amigos, de paz, de segurança e emoldurada por uma cidade que pode ter todas as mazelas que tem, mas que é um lugar fantástico para se ver uma criança crescer e ser feliz.

Quando o Luquinhas fez 2 anos, decidimos matriculá-lo na escola. Depois de várias visitas a colégios, optamos pelo Maria Montessori, uma inacreditável mistura de castelo de contos de fadas lúdico e jardim zoológico, com trenzinho que percorria toda a escola, bichos andando soltos por lá e outros em viveiros, classes que pareciam a casinha dos 7 anões. Não bastassem a linha pedagógica instigante e focada no bem-estar da criança e essa imensa área livre, o Montessori se mostrou, logo de cara, uma casa de novos e grandes amigos para nós e para o Lucas. Durante 8 anos meu filho e nós estabelecemos laços inquebráveis com famílias totalmente diferentes da nossa, mas que tinham e têm em comum a disposição de participar ativamente da vida dos filhos, proporcionar a eles contato com os amigos para além dos muros da escola e aprofundar uma amizade a despeito de barreiras profissionais, religiosas, ideológicas e sociais que eventualmente nos separassem.

Viagens para Santa Catarina, São Paulo, Bahia, Alagoas, Estados Unidos (perdemos essa...), passeios semanais, intercâmbio de crianças pelas casas, complôs na escola para a definição das classes, consultas médicas e odontológicas, negócios comerciais... os "montessorianos" viraram um grupo sólido, que nem a separação de cidades e nem a já esperada mudança de escola, em 2011, vai quebrar.

Guilherme, Gabriela, Henrique, Matheus, Felipe, Davi, Natan, Guilherme Braz, Pedro Paulo, Henrique Casado, Hélio, Maria Luiza, Lucas Kalil, Pedro Jorge, Vitor... cada uma dessas crianças únicas, especiais, amigos-irmãos do meu Lucas e seus pais e irmãos fantásticos, companheiros, adoráveis ficarão para sempre na vida da família Cabral.

É de pessoas assim, de dentistas, médicos, fisioterapeutas, procuradores, funcionários públicos, advogados, economistas, veterinários, comerciantes que Brasília é feita. Nós jornalistas e os políticos é que talvez tornemos a cidade mais esquisita, ao achar que o enredo que se constrói em seus gabinetes, nos cafezinhos do Congresso e nas solenidades é o único enredo de uma cidade que pode ter nascido planejada, mas que hoje é imprevisível e falível como todas as demais.

Felipe

E foi nessa situação de conforto extremo, de pertencimento à cidade, morando no Sudoeste _sem dúvida e novamente contra a corrente o nosso bairro em Brasília_ e com uma vida já muito gostosa e feliz que decidimos que, depois de 3 perdas desde 2001, tentaríamos de novo dar um irmão para o Lucas. O Felipe nasceu em 12 de setembro de 2008 para completar a fotografia. Tinha um espaço reservado para ele que insistiu em ficar vago por 8 longos anos, mas que, a partir daquele dia, estava preenchido.

É com um pouco de aperto no coração que eu me pego pensando que o meu caçulinha, loirinho, barrigudo não vai ter essa infância de conto de fadas, cercada de segurança, de acolhimento e de amigos com os quais se pode contar sempre. Não vai vestir o uniforme do Montessori nem brincar no Foguetinho do Parque da Cidade. Mas vai ter outros amigos, momentos igualmente felizes, o mesmo amor e a mesma dedicação, mas será uma experiência em tudo diferente. Daqui a 8 anos será possível comparar e ver as diferenças.

Em outubro de 2009, exatos dez anos depois da chegada, a família Magalhães-Cabral começou a fazer o caminho de volta para a casa, novamente provocado por uma proposta profissional irrecusável. Foi um choque para o Lucas, e a vida do Felipe, embora ele nunca vá se lembrar exatamente, também foi virada do avesso. Estamos de volta a uma São Paulo ainda mais caótica, excludente, hostil e feia do que a que eu deixei há dez anos.

Cidade por cidade, que me desculpem os críticos de Brasília, mas não existe comparação entre Brasília e São Paulo para se viver, criar os filhos e mesmo se divertir. Porque São Paulo pode ser cosmopolita, uma metrólope cultural, berço da diversidade de pensamento, de tendências e de tribos, ter os melhores restaurantes e as baladas mais incríveis, mas é muito mais difícil você conseguir tempo e organizar uma logística para aproveitar tudo isso quando se tem 2 filhos e um cargo de chefia para administrar.

É nesse pêndulo que nos encontramos agora, começando a gostar de aspectos da nova vida paulistana, ainda um pouco presos aos últimos dez anos, e, no meu caso, com o trabalho em plena ebulição, uma efervescência que me faz ter a certeza de que a escolha feita era a única possível e também era a certa, a melhor.

Nos 50 anos de Brasília, presto um tributo incondicional, parcial, totalmente crivado pela emoção, possivelmente cheio de clichês e de uma visão pra lá de ingênua a uma cidade à qual cheguei uma jornalista jovem, em início/meio de carreira, com certa experiência, mas longe de ser uma repórter de verdade, e da qual saí uma mulher melhor e mais generosa, uma repórter experiente, mãe das duas crianças mais lindas que já nasceram e com um casamento que passou por várias provações _inclusive a atual, da ponte aérea_ mas se revelou forte o suficiente para encarar todas elas e sair sempre melhor, mais cheio de paixão, de amor e de conquistas, 15 anos depois.

Obrigada, Brasília. Não há dúvida de que, em dez anos, você me deu régua e compasso.

sábado, 3 de abril de 2010

Um abraço que vale por tudo


Porque mesmo quando a vida quebra a nossa perna, tem uma pessoa que está ali do lado pra nos amparar.
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